Numa parceria editorial, os sites Infocul e Toureio.pt têm efectuado uma série de entrevistas a todos os municípios que integram a Secção de Municípios com Actividade Taurina, através dos respectivos presidentes de Câmara.
O objectivo desta iniciativa, mais do que basear ideias em suposições, foi dar palavra ao máximo representante de cada município sobre a questão tauromáquica e também sobre as restantes vertentes culturais identitárias de cada município e a importância da cultura para o desenvolvimento local.
Alberto Mesquita, presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, na entrevista concedida aos dois sites, aborda a questão tauromáquica, e o respectivo apoio a autarquia, mas dá a conhecer, também, todas as restantes marcas que transformam Vila Franca de Xira numa identidade única em termos culturais e turísticos.
O seu município integra a rede de Municípios com Actividade Taurina. Qual a importância da tauromaquia para o município?
Alberto Mesquita (AM) – A Tauromaquia é um aspecto de extrema importância na afirmação da identidade de Vila Franca de Xira. A elevada participação popular em todas as iniciativas de âmbito tauromáquico, designadamente a Semana da Cultura Tauromáquica ou o Colete Encarnado, expressa de forma inequívoca o valor intrínseco da arte e cultura tauromáquicas no seio da nossa Comunidade. É muito mais do que apenas uma parte da nossa história; é um aspecto profundamente enraizado na nossa Cultura e marca aquilo que somos enquanto povo.
Tem recebido pressões por parte dos movimentos anti taurinos? De que forma são feitas essas pressões e que efeitos têm?
AM – Ocasionalmente, existem contactos por parte de algumas pessoas que, a título individual, expressam junto da Autarquia o seu descontentamento em relação aos apoios municipais a algumas entidades ligadas à Festa Brava, ou relativamente às iniciativas de cariz tauromáquico organizadas pela Câmara Municipal. De forma ainda mais esporádica, alguns actos de vandalismo no património existente – Praça de Toiros, alguns monumentos –, prontamente reparados pelos serviços municipais. Todos os contactos individuais são respondidos, procurando esclarecer qual a política desenvolvida pela Câmara Municipal no que à Cultura e às Artes diz respeito, e que naturalmente inclui o apoio à Festa Brava.
Qual o valor, do orçamento anual, que é destinado à promoção da tauromaquia?
AM – Em termos globais, existe um investimento anual de cerca de 270.000,00 € que se destina à realização de diversos eventos, como é o caso da Feira das Tertúlias, da Semana da Cultura Tauromáquica, do Colete Encarnado e da Feira de Outubro, e ainda de apoio ao funcionamento da Escola de Toureio José Falcão.
Qual o valor que a tauromaquia traz para o município?
AM – É um valor muito expressivo enquanto factor de atractividade turística, mobilizando os mais diversos agentes – operadores turísticos, comércio local, restauração – em torno de eventos ligados à Tauromaquia, que mobilizam milhares de pessoas anualmente para visitar o Concelho de Vila Franca de Xira. Importa sublinhar que o valor da Tauromaquia se expressa em diversas vertentes, desde logo no que respeita à Tradição e à Cultura, mas também na vertente Económica. Para além da preservação de uma espécie, justamente o toiro bravo, com inúmeras ganadarias activas por todo o País, existem também diversas e importantes actividades empresariais ligadas à Festa Brava, como por exemplo a criação de cavalos, confecção de trajes e capotes, produção de bandarilhas, entre muitas outras. Ligados ao espectáculo tauromáquico existem criadores, toureiros, cavaleiros, forcados, campinos e muitos outros trabalhadores que têm na Tauromaquia uma grande paixão, mas também toda uma vida profissional. É um conjunto muito alargado de actividades e de pessoas que giram em torno deste espectáculo, que Vila Franca de Xira sempre assumirá como parte da sua própria cultura.
Além da tauromaquia, quais as expressões culturais mais identitárias do município?
AM – Vila Franca de Xira tem a sua Identidade profundamente ligada à proximidade do rio Tejo e à Lezíria. É esta relação permanente com o campo e com o rio que melhor nos define, a par com a própria cultura tauromáquica. O Município de Vila Franca de Xira tem 22km de Frente Ribeirinha, 11km dos quais estão hoje em dia requalificados e disponíveis para usufruto das populações. Os nossos Caminhos Pedonais Ribeirinhos fazem do nosso Concelho uma referência arquitectónica e paisagística de nível nacional e internacional. Os passeios de barco a bordo do Barco Varino “Liberdade” representam uma oportunidade para desfrutar de uma experiência única, já que permite em simultâneo a vivência de um turismo de natureza, fluvial e cultural. E por outro lado, um dos traços mais característicos do nosso território é esta relação umbilical das gentes de Vila Franca de Xira ao campo e à Lezíria, personificada pela figura do Campino, que é a personagem central da nossa festa maior, o Colete Encarnado. A nossa Gastronomia também expressa estas marcas de identidade, trazendo para a mesa as iguarias da pesca e do mundo rural. Entre a cultura da beira-rio e a criatividade dos trabalhadores do campo, Vila Franca de Xira oferece pratos típicos de sabores fortes, como por exemplo o tradicional Sável frito com Açorda de Ovas e o Torriscado com Bacalhau Assado, que dão o mote às Campanhas de Gastronomia promovidas pelo Município em Março e Novembro de cada ano.
Qual a importância da cultura no município e de que modo se reflete no orçamento?
AM – A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira tem na Cultura uma das suas principais prioridades, com um investimento muito significativo em todas as formas de expressão artística. Este investimento concretiza-se de forma direta, na realização de eventos de grande qualidade, entre os quais destaco a Exposição Cartoon Xira, a Bienal de Fotografia e outras grandes exposições, mas também através do apoio ao Movimento Associativo do Concelho, no âmbito do qual se incluem diversos agentes culturais. O Museu do Neo-Realismo é um espaço de características únicas no panorama cultural nacional, com créditos reconhecidos nas vertentes expositiva, de conservação e investigação, destacando-se pela riqueza e diversidade do seu espólio documental e artístico. O orçamento da Autarquia para a Cultura é de cerca de um milhão e seiscentos mil euros.
Como reage às manifestações e tentativas de acabar com a tauromaquia quer a nível nacional quer em termos internacionais por alguns grupos?
AM – Consideramos que todos os pontos de vista são legítimos, desde que naturalmente se expressem de forma não-violenta e com respeito pelas demais opiniões divergentes. A democracia tem na sua essência princípios básicos de liberdade e de tolerância que devem ser respeitados acima de tudo.
Como pode, e deve ser gerida esta questão entre os anti taurinos e os aficionados?
AM – Precisamente, com respeito e bom senso, de todas as partes, pelas opiniões de cada um.
Com a descentralização e as transferências de competências para os Municípios, há possibilidade de serem os municípios a tutelar toda a área cultural, inclusive o espectáculo tauromáquico?
AM – Por princípio, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira é favorável à descentralização administrativa de competências do Estado para os Municípios. Contudo, enquanto uma das Câmaras Municipais que integram a Secção de Municípios com Actividade Taurina da Associação Nacional de Municípios (ANMP), temos vindo a manifestar o nosso parecer de que as Câmaras Municipais não devem tutelar directamente os espectáculos tauromáquicos. Tal como noutras matérias de âmbito cultural, consideramos que a descentralização de competências para os Municípios nesta área não deverá versar sobre questões de conteúdo artístico.
Os Municípios têm meios suficientes para tutelarem as várias áreas culturais?
AM – Os Municípios já assumem, hoje em dia, uma parte muito importante das políticas culturais nos seus territórios. Nunca é possível afirmar que os meios são suficientes, seja na área cultural ou noutras. Acima de tudo, importa desenvolver um trabalho consistente, que garanta a oferta cultural às populações respeitando princípios de diversidade nessa oferta e democratizando o acesso à cultura. Pela relação de proximidade na gestão do território, sem dúvida que é cada vez mais importante a intervenção das Autarquias Locais na criação dessa oferta cultural, e nessa medida, importa afectar os meios que permitam prestar um bom serviço às populações.
Caso os Municípios venham a tutelar directamente o espectáculo tauromáquico, na sua óptica o que poderia mudar?
AM – Importa sublinhar nesta matéria que o Município de Vila Franca de Xira, tal como outros Municípios com actividade taurina, tem vindo a afirmar reiteradamente que a Tauromaquia é uma tradição multissecular de âmbito nacional, sendo parte integrante do Conselho Nacional de Cultura desde 2010. A tauromaquia constitui, nas suas distintas e diversificadas manifestações, um património rico, vasto e singular da nossa cultura popular. E nessa medida, toda e qualquer legislação que venha a ser produzida neste âmbito deverá garantir a possibilidade de realização de corridas de toiros em todo o território nacional, no Continente ou nas Regiões Autónomas, sem qualquer excepção. Esta é uma matéria onde não deve existir margem para decisões singulares ou casuísticas em cada Município, que seriam nefastas para a coesão cultural nacional. Nessa medida, consideramos que a actual legislação não deve sofrer alterações e que não devem existir entendimentos diferentes, consagrados na lei, sobre o espectáculo tauromáquico enquanto manifestação cultural. É também por tudo isto que o Município de Vila Franca de Xira permanece empenhado na declaração da Tauromaquia como património imaterial nacional.
Na sua ótica e para melhorar um espetáculo tauromáquico, o que se deve alterar?
AM – Esta é uma questão que aponta para visões e sensibilidades muito particulares. Sendo que cada espetáculo tem as suas características próprias, penso que neste âmbito devem ser questionados directamente aqueles que realizam o espectáculo tauromáquico. A Câmara Municipal, tal como referido anteriormente, não tem nenhuma intervenção na componente artística do espectáculo tauromáquico. Os regulamentos que regem as touradas podem naturalmente ser revistos, por parte dos seus intervenientes mais directos, no sentido de dar, por exemplo, outras condições de ritmo ao espectáculo. O espectáculo taurino, tal como em qualquer outra manifestação artística, tem múltiplas manifestações e características, que também atraem diferentes tipos de público. E assim, para além das touradas existem esperas e largadas de toiros, existe a capeia arraiana no Sabugal, o toureio à corda nos Açores, e numa manifestação mais recente, o espectáculo dos Recortadores. São expressões da mesma paixão que também dão conta de uma cultura viva, em constante evolução, e de uma tradição que certamente não irá terminar por decreto.