A segunda corrida da Feira Taurina de São Mateus teve um momento sublime antes de romperem as cortesias: a extraordinária Filarmónica 14 de Janeiro, desta cidade de Elvas, brindou-nos com o hino do Senhor Jesus da Piedade, acordes que causam arrepios de emoção a todos os elvenses, que por estes dias festejam a sua festa maior em honra do referido Santo.
Terminadas as cortesias, e em vez de sair o primeiro toiro, saíram, sim, as mangueiras para a rega, uma falha imperdoável, pois a praça deveria ter sido regada previamente, momento caricato, acatado com paciência e elevação pelo público que quase enchia o coliseu elvense.
A corrida era de grande expectativa, principalmente pela reaparição do maestro João Moura depois da colhida que teve em Sobral de Monte Agraço.
A minha memória faz-me viajar para o ano de 1976, mais propriamente para o dia 27 de maio, dia em que o «Nino Prodígio» se apresentou em Madrid, na praça de Las Ventas, a mais importante do mundo, onde dias depois toureia novamente, mais precisamente a 10 de junho, e onde sai pela primeira vez pela porta grande. Na altura, um jovem franzino de Monforte revoluciona o toureio a cavalo, com o mítico cavalo Ferrolho.
Passado quase meio século, o maestro, hoje tudo menos franzino, mas com o coração, a garra, a vontade e o saber inquebráveis, apresentou-se no coliseu elvense como se fosse nos seus inícios, com duas lides importantes e marcadas pelo seu toureio de sempre, cuidado e arrojo na preparação das sortes, com ladeios bem na cara do oponente, cravando de alto a baixo no sítio, e rematados com o cavalo a duas pistas. Duas grandes atuações que fazem crer que Moura tem muito ainda para mostrar.
Marcos Bastinhas teve nos seus dois toiros duas lides tremendistas, com a sua habitual efusão sempre que entra em praça, a espectacularidade das portas gaiolas, embora nem sempre com o intuito desejado, como foi no caso do seu segundo, que se inutilizou na saída.
Baseou as suas atuações em cites de largo, entrando pelo toiro e cravando no sítio, terminou ambos com o tradicional par de bandarilhas e apeando-se da montada nos médios.
Com Francisco Palha, e nas suas duas atuações, mas principalmente na primeira, podemos assistir a uma lição de toureio clássico, toureio caro, tirando uma passagem em falso no seu segundo por falha do toiro, e estaríamos a falar de duas lides quase perfeitas. Nos dois toiros, cravou os primeiros ferros compridos em sorte de gaiola que foram fortemente aplaudidos. Alguns ferros curtos ao estribo, cravando sempre no sítio, dando sempre vantagens ao toiro e lidando em vários terrenos e várias distâncias, sempre na procura da franca investida do toiro. Nota bem alta para Francisco Palha.
As pegas estiveram a cargo dos forcados amadores de Montemor e Académicos de Elvas, que tiveram uma tarde de glória com quase todas as pegas à primeira tentativa.
Pelo grupo de Montemor, foram caras: Vasco Ponce, João Santos e José Maria Cortes, todos ao primeiro intento.
Pelos Académicos de Elvas, João Restolho pegou à segunda tentativa, Luís Carvalho à primeira e Paulo Barradas Maurício também à primeira tentativa, esta que foi a pega de despedida deste valente forcado elvense.
O curro de toiros, que pertencia à ganadaria de Canas Vigouroux, bem apresentado, todos jaboneros pela pelagem, inusitado, mas não inédito, teve expectativas defraudadas, com querer e alguma nobreza, mas sem força, a perderem as mãos; três deitaram-se no final das lides; o quinto foi devolvido por dificuldades de locomoção, saiu o sobrero de pelagem negra, porque o primeiro sobrero, também ele jabonero, se tinha inutilizado nos curros.
Todos os artistas foram premiados com volta, e todos os cavaleiros escutaram música a partir do primeiro ferro curto.
A corrida foi dirigida pelo Sr. Diretor Marco Gomes, coadjuvado pelo médico veterinário Dr. José Miguel Guerra
Elvas: A última corrida do São Mateus
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